27.3.11

Bloguinho da Manu

Criei um blog pra minha filhota Manuela>>> Bloguinho da Manu Quem quiser dividir a alegria, passa lá. Comentários são sempre bem-vindos.

23.3.11

Leitinho, soninho e bundinha limpa

Pois é, vou ser pai. Estou perto de realizar um grande sonho que me acompanha há anos. Mas como tudo acontece ao seu tempo, precisei promover o encontro da pessoa certa com a maturidade necessária. Vou ser pai e ainda tento entender esse turbilhão de sentimentos. Alegria, ansiedade, satisfação, medo, euforia – só pra citar alguns – se revezam de modo aleatório. E se me perguntarem hoje “A ficha já caiu?”, sinceramente não saberei responder. Às vezes acho que sim, mas quando aprofundo o pensamento, fico na dúvida. E isso é normal. Tem que ser normal. Ninguém está 100% pronto pra tudo. E como seria chato se estivesse.

Mas hoje sei: estar ao lado de uma grávida e acompanhar a gestação de um filho é algo fascinante. Tem o resultado positivo, o primeiro ultrassom com as batidas aceleradas do coraçãozinho minúsculo, os desejos diários da mãe de chupar limão de madrugada, a primeira mexida que a mãe consegue perceber, a primeira mexida que o pai consegue perceber, a descoberta do sexo, a escolha do nome (e como é difícil), as primeiras roupinhas, os primeiros presentes, a reforma do quarto e por aí vai. Cada acontecimento com a sua magia – e não exagero quando digo “magia”.

Não tenho dúvida que ser pai é uma das experiências mais fantásticas da vida. Mas também tenho consciência do meu papel, a princípio, coadjuvante nessa história. A ligação entre mãe e bebê é bem mais estreita – e não poderia ser diferente. Cabe a mim então trabalhar nos bastidores para que nossa pequena estrela e sua mamãe tenham toda a atenção necessária.

Também aprendi nos livros e sites dedicados ao assunto que bebês recém-nascidos só exigem três coisas: mamar, dormir e que suas bundinhas fiquem sempre limpas. Por isso, cumprirei meu papel oficial, levando golfadas após as mamadas da nossa pequena, embalando seu choro para que ela pegue no sono e trocando inúmeras fraldas com a maior naturalidade. E um dia sei: quando eu menos esperar, me tornarei o pai mais feliz do mundo ao ser premiado com um encantador e babado sorriso banguela.

Texto também publicado no blog bloguinhodamanu.wordpress.com

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1.5.10

O Prédio

Da minha janela eu não vejo o mar, eu vejo um prédio. Várias vidas, umas sobre as outras, num acender e apagar incessante de luzes. Talvez alguém desse prédio já tenha notado que eu sempre olho em sua direção. O que ninguém sabe é que eu nunca olhei verdadeiramente pro prédio. É que eu sei que atrás desse prédio está o mar. Mas da minha janela eu não vejo o mar, eu vejo um prédio.

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17.4.10

Espera

Mudou a faca de lugar porque sabia que ela gostava de uma mesa bem posta. Passou pela sua cabeça preparar outro prato mas, como bom apreciador de massas, tinha certeza que aquela cairia muito bem com o Doña Dominga que um amigo havia lhe trazido do Chile. Não conseguia disfarçar que estava nervoso. Chegou até a pensar que a bateria do relógio da cozinha havia acabado, mas o display externo do seu celular insistia em afirmar que ainda faltavam trinta e dois minutos. Trocou a camisa, o CD, a lâmpada da sala por outra de potência menor e não se perdoou por ter esquecido de comprar as velas. Aquele noite tinha que ser inesquecível.

Quando o telefone tocou ele correu para atender. Teve que improvisar uma desculpa para justificar o motivo de faltar, pela primeira vez, ao pôquer da terça. Aquele tinha sido um dia realmente atípico e ele se perguntou como pôde esquecer daquele compromisso tão rotineiro. Mas no fim pouco se importou, o que estava por vir prometia boas histórias para as próximas terças. Nem que ele tivesse que inventar.

Ao longe ouviu o sino da igreja matriz badalar nove vezes. Estava na hora. Foi até o banheiro lavar o rosto e insistiu inutilmente em encolher a barriga. Aqueles quinze quilos a mais nunca tinham pesado tanto. Fez uma promessa que se tudo saísse como ele pretendia, se tornaria um outro homem. Afinal, como já tinha lido e escutado algumas vezes, o amor transforma.

O elevador parou no seu andar e como ele já estava atrás da porta, pôde ouvir os passos em salto alto, para sua angústia, se afastarem em direção a outro apartamento. Soltou o ar que nem sabia a quanto tempo estava prendendo e conferiu no celular que já passava de 21h30.

Pensou em ligar mas lembrou que não tinha o número do celular dela. Na verdade não sabia sequer onde ela morava. Correu para o computador, fez uma rápida pesquisa no Google e constatou que nada ali poderia lhe dar alguma referência ou uma dica qualquer.

Ele sentou sozinho à mesa e pensou como aquele poderia ser um momento especial. Só passava pela sua cabeça as palavras ensaiadas se encaixando perfeitamente num contexto minuciosamente planejado. Pensou também quais seriam as palavras escolhidas por ela para se declarar e, totalmente apaixonada, se entregar em seus braços. E seria exatamente assim. Se ela realmente existisse, não seria de outro jeito a não ser como ele havia pensado. Ele sabia disso. E sabia também que ela não passava de uma ilusão. Que todo aquele teatro, na verdade, era apenas um ensaio de emoções. E para ele tudo aquilo tinha um sentido muito claro. A vida estava passando. Ele estava passando. E criando a sua própria verdade ele tentava chegar, pelo menos próximo, daquilo que um dia ainda esperava viver.

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13.10.09

Rascunho


Um espelho que não reflete a verdade
Válvula de escape, no horizonte uma miragem
108 dias de distância é ilusão
Um passo em falso
Um falso acerto
Um passo certo pela contramão.

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29.3.09

Vai rasgando que eu vou costurando

É curioso como algumas lembranças de fatos distantes e aparentemente de pouca relevância voltam à tona, assim, sem nenhum motivo muito convincente. Volta e meia me lembro de algo que aconteceu há muito tempo e que, sinceramente, não sei explicar o porquê da recordação. Erraria longe se tentasse acertar o ano do ocorrido que vou contar, mas imagino que, literalmente, eu ainda era “criança pequena lá em Barbacena”.

Minha mãe, sempre muito devota de Nossa Senhora Aparecida (devoção essa que passou de mãe para filho), comprou duas passagens para uma excursão que nos levaria à cidade da padroeira para agradecer algumas graças alcançadas e reforçar outras tantas. A excursão era anualmente organizada pelo dono do bar vizinho e quase todos os passageiros eram pessoas conhecidas do bairro. Quase todos.

Há que se ressaltar que nesse tipo de excursão, geralmente de preço bem acessível, há “fiéis” de todos os tipos. Desde beatas que rezam durante toda a viagem até outros mais, digamos: felizes, que querem mesmo é curtir e fazer uma verdadeira farra. Tem cantoria, batuque, zoação e, claro, bebida à vontade. Muitas dessas excursões parecem ter como destino final uma cidade praiana qualquer. Com direito a farofa e tudo mais. Mas é bom esclarecer que, na hora de rezar o terço, todos se aquietam. O respeito é geral.

Nessa excursão em particular havia um sujeito mais feliz que o normal. Notei que, mesmo antes de entrar no ônibus, ele já causava um certo alvoroço entre os que guardavam seus pertences no bagageiro do veículo. Mexia com um daqui, ria de outro dali e assim ia interagindo com as pessoas que, aparentemente, não o conheciam. Eu também nunca tinha visto aquele homem. Certamente era frequentador do bar ou conhecido de algum conhecido. O primeiro contato mais próximo que tive com aquela figura foi quando ele entrou no ônibus portando debaixo do braço um garrafão desses de cinco litros e gritou para que todos ouvissem: “Vai rasgando que eu vou costurando”. Aquela manifestação causou reações. Algumas pessoas riram, outras cochicharam entre si e outras, menos pacientes, lançaram olhares de reprovação. Eu me incluo na turma que riu. Achei aquela situação engraçadíssima. Fiquei pensando também o que significaria aquela frase dita com tanta veemência.

O ônibus tinha acabado de partir quando, pela segunda vez, ouvi aquela mesma frase. O número de risos diminuiu e o primeiro protesto em voz alta pode ser ouvido também. Imaginei que aquela viagem seria mais divertida que as demais feitas com a mesma finalidade. Com poucos minutos de estrada, a festa já estava armada nas imediações dos últimos bancos e, de longe, aquele desconhecido era o mais animado. Batucava, bebia, cantava e, entre uma música e outra, proferia sua frase predileta. No auge da bagunça alguém gritou lá da frente que estava na hora do terço. Os passageiros já cientes dos costumes tomaram seus lugares. O único que parecia não entender muito bem o que estava acontecendo era aquela figura peculiar. Com auxílio de alguém foi apresentado a sua poltrona e explicado o que viria a seguir.

A reza até que teria ocorrido como manda o figurino, porém, um certo sujeito apressado, que dispensa apresentações, despertava risinhos quando dizia “Amém” antes da hora. Eu mesmo era um que não conseguia segurar. Acabado o terço a festa recomeçou e só terminou com a primeira parada num restaurante de estrada, já alta madrugada e quase no sul de Minas. Daí para frente, a viagem fluiu com uma certa tranquilidade. Não fosse a frase “Vai rasgando que eu vou costurando” dita enquanto muitos tentavam dormir e não fosse também aqueles quase cinco litros de cachaça que se espalharam pelo chão do ônibus, causando um mal cheiro terrível, eu diria até que aqueles 450 quilômetros entre Barbacena e Aparecida tinham sido divertidíssimos.

Hoje, quando me lembro desse fato, reflito a respeito de algumas coisas. Estaria aquele homem tentando fugir de algo? Quais seriam seus problemas? Seria ele um pobre coitado desacreditado da vida e por isso se entregava à bebida daquele jeito? Quais foram suas preces diante da padroeira? Nunca mais voltei a vê-lo. O tempo passou e essa lembrança vez ou outra se faz presente em minha memória. Aquele homem, na sua humildade e até na sua fraqueza, acabou me deixando uma lição com sua forma divertida de encarar a vida. Hoje entendo que aquela frase era só uma forma de dizer ao mundo que é preciso ser forte e encarar os problemas de peito aberto e sem medo. Que nenhuma ferida é tão grande não possa ser cicatrizada. E que nada na vida é tão ruim que não possa ser encarado com uma certa dose humor.

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6.2.09

Desce?

– Tá quente hoje, né?

Arnaldo se arrependeu das palavras no exato momento em que foram ditas. Que bola fora, pensou diante da lindíssima loira de corpo escultural, vestido provocante, óculos escuros tamanho família e uma perfeita boca pintada de vermelho-sexo. No apertado elevador, a loira deu um sorrisinho amarelo de milésimos de segundos, meneou a cabeça ligeiramente e voltou à posição estática de poucos amigos. – Mané! Mané! – disse Arnaldo sem permitir que o som lhe escapasse da boca. Ele não se perdoava por tamanha falta de tato. Sentiu-se um “sem noção”, como diriam os mais jovens. Nada lhe adiantou as horas e horas na frente da TV assistindo aos mais diversos documentários. E as leituras das caras revistas que assinava para nunca ficar sem assunto, então? Os anos de convivência com os maiores intelectuais da cidade também não lhe serviram de nada. Na hora em que mais precisou, disse o que qualquer um diria. E com um agravante: nem calor estava.

O elevador continuou descendo. Arnaldo não via a hora de chegar ao térreo para esquecer a gafe do dia. Três andares abaixo a porta se abriu e um motoboy com o capacete apenas na metade da cabeça entrou carregando uma caixa térmica gigante China in Box. O espaço que já era apertado ficou ainda mais restrito, obrigando a loira a dar um passo para trás. Que perfume é esse, meu Deus? É perfeita demais para ser verdade, pensou Arnaldo com o nariz quase colado na nuca da moça. Teve uma vontade incontrolável de morder aquele pescocinho. – Vai vampirão... Vai acabar de vez com sua reputação – disse-lhe uma voz interior. Achou melhor se conter. Respirou fundo para poder sentir mais um pouco da fragrância e se arrependeu. O forte cheiro de shoyu que exalava da caixa térmica começava a tomar conta do pequeno ambiente.

Cinco andares abaixo a mistura “perfume de fêmea no cio” mais “restaurante chinês da esquina” causava náuseas em Arnaldo. Com o estômago embrulhado ele rezava para a viagem acabar logo. Ao passar pelo primeiro andar o elevador parou novamente. Arnaldo xingou em pensamento o preguiçoso que não usou as escadas. Mas a porta não abriu. Mais dois segundos e nada. Cinco e nada. Em vão, o motoboy apertou o botão que abre a porta. A loira suspirou com impaciência. Arnaldo não acreditava que aquilo estava acontecendo. Pediu licença, deu um passo à frente e apertou continuamente o botão de emergência. Como nada aconteceu, pediu ajuda ao motoboy e juntos tentaram forçar a porta na intenção de abri-la. E como se nada mais faltasse acontecer, a luz do elevador se apagou.

– Oh, my God! Era só o que faltava – disse a loira com uma voz esganiçada.

Em meio à escuridão, Arnaldo achou estranho uma mulher tão bonita daquela com uma voz tão feia. Nunca tinha ouvido nada tão esquisito. Coisa mais bizarra, pensou. Mas isso era o que menos importava naquele momento. Ele não via a hora de sair logo daquela situação caótica e, tentando abrir novamente a porta no braço, ouviu o que parecia uma galinha-d’angola aos berros: – Help! Help me please! Socorro! Help!

Como se não fosse o bastante estar preso num elevador escuro tendo que respirar aquele ar insuportável, Arnaldo ainda era obrigado a ouvir uma mulher histérica gritando em inglês e com voz de taquara rachada. Já não suportando mais a situação, esbravejou a primeira coisa que lhe veio à cabeça: – Cala a boca, senão eu vomito em todo mundo. O silêncio pairou no ar. Até o cheiro pareceu dissipar. E como num passe de mágicas a luz se restabeleceu, os motores do elevador voltaram a funcionar e em poucos segundos a porta do térreo se abriu.

Sem entender muito bem o que tinha acontecido, os três ex-confinados alcançaram a liberdade. O motoboy com um sarcástico sorriso estampado no rosto deu um tapinha nas costas de Arnaldo e agradeceu: – Valeu, chefia. A loira com a mesma cara de poucos amigos, mas calada, virou o rosto e saiu rebolando. Parado no hall de entrada do prédio tentando se recompor, Arnaldo fez menção de apreciar pela última vez aquele traseirão, mas foi impedido pela terrível lembrança da voz. Já sem náuseas, acendeu um cigarro e ficou pensando por alguns instantes "que força interior seria aquela capaz de transformar as coisas". Indagou-se também se aquele dia ainda lhe reservava alguma outra surpresa. Resolveu, então, encarar as coisas pelo lado positivo, afinal, tivera muita sorte daquela mulher não ter caído na sua conversa fiada. Ele não se perdoaria nunca se, por causa daquela voz, falhasse na hora H. E justamente com uma loiraça gritando “come on baby”.

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21.1.09

Fim de Palavra



Para rever o passado: saudade.
Para momentos de fossa: amizade.
Para um mundo melhor: igualdade.
Para os dias de tédio: vontade.

Para os pobres de espírito: piedade.
Para alcançar a bonança: tempestade.
Para a metade da laranja: afinidade.
Para ir mais longe: humildade.

Para quebrar a rotina: novidade.
Para contemplar a natureza: sensibilidade.
Para os menos favorecidos: caridade.
Para fazer um amigo: lealdade.

Para baixa auto-estima: vaidade.
Para um momento a dois: intimidade.
Para os pés no chão: gravidade.
Para deixar nas entrelinhas: subjetividade.

Para o mundo global: diversidade.
Para entender o amor: cumplicidade.
Para acreditar no futuro: prosperidade.
Para entregar-se a um sonho: totalidade.

Para colher os frutos: bondade.
Para os momentos difíceis: serenidade.
Para esperar do ser humano: sinceridade.
Para dizer o que pensa: personalidade.

Para encontrar no fim do túnel: claridade.
Para fazer acontecer: publicidade.
Para os instantes de fúria: tranquilidade.
Para ter menos tempo: velocidade.

Para a paz no mundo: fraternidade.
Para acordar de um sonho: realidade.
Para fugir do lugar-comum: criatividade.
Para alcançar o divino: espiritualidade.

Para dizer o que quer que seja: verdade.
Para continuar sonhando: liberdade.
Para justificar a vida: felicidade.
Para irritar uma mulher: idade.

Para ir além: curiosidade.
Para aguçar a libido: sensualidade.
Para uma vida completa: simplicidade.
Para terminar este texto: finalidade.

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9.1.09

...

– O que foi, Bia?

– Hum?

– Aconteceu alguma coisa?

– Não.

– E por que você tá assim?

– Assim como?

– Assim estranha.

– Nada.

– Como assim nada?

– Ué! Nada. Nada e só.

– E essa cara aí?

– Minha cara de todos os dias. Nasci com ela e tô com ela até hoje.

– Viu? Tá irônica e grossa.

– É você.

– Eu o quê?

– Nada. Esquece.

– Esquece não. Começou agora termina.

– Não tô com vontade.

– Lá vem você com essas criancices de novo. Fica difícil desse jeito.

– Criancice não. Você começa e depois reclama.

– Eu começo? Você fica aí emburrada sem motivo e a culpa é minha?

– Sem motivo não. Você me dá todos os motivos do mundo.

– Então cita um pelo menos. Só um.

– Não quero falar disso. Não insiste.

– Disso o quê, meu Deus?

– ...

– Bia? Tô falando com você.

– ...

– Ah, puta merda! Vai começar a chorar?

– Não tô chorando.

– E o que é isso escorrendo do seu olho então?

– Foi um cisco.

– Ah, me poupe. Fala sério. É TPM, não é?

– Grosso, estúpido, idiota, imbecil, alienígena.

– Alienígena? Agora você inovou. Você me faz rir muito.

– Insensível.

– Aposto que é TPM.

– TPM da sua mãe.

– Ôpa! Olha a apelação! Assim vai perder a razão.

– Desculpa.

– Não, tudo bem. Só queria saber o motivo de você estar assim.

– Você é uma anta esquecida mesmo.

– Ih! Vai continuar?

– É que você, senhor Falta de Sensibilidade, nunca se lembra dos aniversários das nossas datas marcantes.

– E qual seria a data tão importante que o senhor Falta de Sensibilidade aqui esqueceu dessa vez?

– Se você não lembra é porque não tem importância. Então esquece.

– É isso aí, vou esquecer mesmo. Cansei.

– Cansou não. Agora vai ter que escutar.

– Mas era isso que eu pretendia desde o começoooo.

– ...

– Vai falar não?

– ...

– Bia?

– ...

– Maria Beatriz?

– ...

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11.12.08

Nove Minutos

6h51. O rádio-relógio despertou com aquele som que só dele pensar o corpo estremecia. Esticou o braço até o aparelho e mesmo com a escuridão artificial causada pelo blackout da cortina alcançou o botão “soneca” com precisão cirúrgica. Incrível como todos os dias acertava na mosca. Tal precisão lhe dava o direito de ficar mais nove minutos na cama. Benditos nove minutos. Imprescindíveis nove minutos. Nove minutos que, se não existissem, seria o mesmo que não ter pregado os olhos a noite toda. Esse era um ritual dos dias úteis. Coisa que os anos de serviço público tinham imposto. E para ele não se tratava apenas de mais nove minutos de sono. Era mais. Era a conclusão de algo. Era o final de um livro. Era aquele momento em que a platéia espera para aplaudir de pé. Se bem que, aplaudir não pode porque faz barulho. E barulho nesses nove minutos não é permitido.

7h00. Ele teve a nítida impressão de que acabara de fechar os olhos desde a última vez que o despertador tocou. Nunca os tão sagrados quinhentos e quarenta segundos tinham passado tão rápido. Isso o fez lembrar das palavras da namorada na festa da noite anterior.

– Você já tomou duas caipirinhas, fora a cerveja. Tá querendo barbarizar, é?

Realmente ele estava se sentindo um bárbaro. Um viking. Um ogro. Estava com a sensação de não ter escovado os dentes nas últimas semanas e a cabeça latejava no ritmo do “pipipi” do relógio. Resolveu fazer, então, o que sempre evitava: utilizar-se novamente do recurso amigo. Raríssimas as vezes que ele voltava a dormir depois das sete. Era um funcionário exemplar. Não podia se dar ao luxo de chegar atrasado na repartição. Mas esse era um momento crítico e com o passar dos anos ele tinha aprendido a reconhecer momentos como esses. E novamente a precisão não lhe faltou.

7h09. – Cacete – esbravejou envolto pelo edredom que mais parecia sua segunda pele. Teve vontade de esganar o infeliz que deu a idéia de fazer caipirinha. Tentou utilizar a função “soneca” novamente, mas pela primeira vez não teve a precisão necessária. Entendeu isso como um aviso e desligou o despertador pela tomada. Ficou indignado. Nunca aquele velho colchão fora tão confortável. Tentou levantar de súbito mas a cama parecia ter adquirido braços que o abraçavam. Tentou novamente e conseguiu. Tateou a parede para achar o interruptor – em dias normais não teria dificuldade para tal feito. Ao ligar a luz, pensou estar de frente para um caminhão de faróis altos. Passados os segundos de cegueira, respirou fundo, abriu a porta do quarto e tomou a direção do banheiro.

Olhou sua cara no espelho que, naturalmente, não estava das melhores. Enquanto escovava os dentes tentou bolar uma desculpa convincente para faltar ao trabalho. Mas isso não seria direito, iria contra seus princípios. – Foda-se os princípios – disse com a boca cheia de creme dental. Mas pensou duas vezes e resolveu trabalhar. No caminho para a cozinha achou estranho a empregada ainda não ter chegado. Botou a culpa nas enchentes, no trânsito, no governo e em mais um punhado de coisas que lhe vieram à cabeça. – Maldita dor de cabeça – praguejou baixinho. Fez um café forte, largou metade do pão que havia preparado e sacou a última aspirina da cartela. – Diazinho – pensou.

Enquanto dava o nó na gravata apressadamente para não se atrasar lembrou-se de umas recomendações que deveria dar a empregada. Pegou o celular e discou.

– Bom dia, dona Marta.

– Bom dia, doutor Marcelo.

– É que como a senhora ainda não chegou, gostaria de deixar umas recomendações sobre a comida para o jantar.

– Mas pra segunda já?

– Segunda não, dona Marta. Pra hoje mesmo.

– Mas hoje eu não vou, doutor.

– Mas como não vem?

– Hoje não é meu dia.

– Mas como não é seu dia?

– Hoje é sábado, doutor Marcelo. Eu não trabalho sábado.

– Sábado?

– É.

– ...

– Doutor Marcelo?

– Então tá, dona Marta. Segunda nos falamos então.

– Tá bom, doutor.

7h36. Incrédulo, doutor Marcelo afrouxou a gravata sentindo-se um estúpido. Sabia que mesmo os funcionários públicos mais exemplares não trabalhavam aos sábados. Sentou-se na beirada da cama e deixou o corpo cair. Sentiu o colchão diferente. Aquela cama que minutos atrás o abraçava para que ele não se levantasse parecia agora não aceitá-lo de volta. Ele não quis forçar a barra. Levantou-se, tirou a roupa do trabalho e colocou uma bermuda. Sentado em frente da TV abriu uma cerveja e zapeou pelos canais sem deter-se em nenhum. Teve vontade de escutar novamente o barulho do despertador para testar sua mira. Colocou a lata vazia sobre a mesinha ao lado do sofá e encaminhou-se para a cozinha para pegar outra cerveja.

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8.12.08

Trilhos de Minas


Estradas que percorrem Minas
Trilhando os cantos das Gerais
Estradas de ferro, menina
Transportam riquezas e pão

São trilhos que ligam passado e presente
Que trazem progresso à população
São muitas histórias vividas à margem
Partida e chegada em cada estação


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3.12.08

Busca


Pelos caminhos onde ando
Sempre sigo os meus passos
Mas quase nunca sei pra onde vou

Pela estrada mais deserta
O deserto já se fez
E as placas já não dizem o que queriam dizer

Perto do horizonte
Mais distante que o alcance
Tudo me parece tão real e igual

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